Uma Loja maçónica, que simboliza
o mundo, o Universo em que vivemos, é uma plataforma que permite o crescimento
do maçon, o seu desenvolvimento espiritual assim como a sua elevação ética e
moral. Uma plataforma, que quando utilizada de forma correcta, de coração
aberto e em verdade, permite ao indivíduo aperfeiçoar-se e crescer, em suma,
tornar-se um homem melhor e mais apto, livremente responsável, que, partilhando
um desígnio com os Irmãos, se aperfeiçoa e aperfeiçoa o meio onde se insere,
á sua dimensão.
O trabalho maçónico, para mim,
claro está, tem como objectivo tornar o mundo um sitio melhor. Isto parece um
objectivo vago e inalcançável, que tudo permite dizer e nada diz. Porém, é
minha convicção que é mesmo isto que fazemos todos os dias.
Uma L.’. maçónica tem por
obrigação ser uma escol dos melhores de uma comunidade, mais capazes e mais
aptos a fazer esse mesmo trabalho, o de potenciar o cumprimento dos homens,
desbastando a pedra em bruto, aperfeiçoando-se e realizando-se na sua
plenitude, contribuindo então para deixar o Mundo um sitio melhor do que era
quando cá chegámos. Um primado da Razão e da Filosofia, da bondade Moral e
Justeza das acções.
Com os pés no chão, com a
certeza de que não resolveremos os problemas todos, nem mesmo muitos ou alguns,
apenas aqueles que conseguirmos depois de a isso nos dispormos.
Esse trabalho faz-se mudando os
homens, que através do crescimento espiritual e cultural proporcionado pela
L.’., vão, a pouco e pouco, alterando a sua forma de interagir com a
comunidade onde se inserem. Crescendo e aperfeiçoando-se, o maçon muda para
melhor, estou em crer, mesmo que inconscientemente, o mundo que o rodeia. Do
somatório puro e simples do aperfeiçoamento dos maçons, observamos uma
transformação na sociedade, quer tenhamos ou não disso noção. Um processo
que se apresenta como profundamente individual assume então a sua generosidade.
O trabalho do maçon é aperfeiçoar-se em L.’.. E como é que isso acontece?
Esse é o trabalho da L.’., há luz dos códigos de elevação moral e
espiritual, onde o Ritual assume um papel preponderante, tornar homens bons
melhores, dispostos a preparar o futuro e construir o presente á luz dos ideais
maçónicos. Para isso deve ter a L.’. um critério rigoroso de escolha dos
seus candidatos, sob pena de se transformar num clube de amigos que transferimos
do mundo profano, desprovido de sentido.
Os candidatos devem ser convidados
á luz das características dos seus talentos, para que possam ser uma mais
valia para o trabalho que está na génese da Maçonaria e é a sua razão de
existir. E porque talentos per si não
valem nada, é aqui que os potenciamos e aprendemos que o que conta é o que com
eles realizamos, á luz de um código de moralidade e de valores que escolhemos
livremente e em consciência para nós.
Estes homens que descrevo têm de
ser capazes de conceber o Divino; o Indizível; de sonhar; de terem visão; de
terem a Força, a Sabedoria e o desprendimento de se entregar a projectos
aparentemente impossíveis, utópicos e belos; têm de conceber a fraternidade
leal fruto da partilha do Desígnio. Porque é disso que falamos, de uma escol
de Cavaleiros, que foram Cavaleiros da Terra, depois Cavaleiros do Mar e hoje
Cavaleiros do Mundo. Essa dimensão espiritual é a sua característica mais
importante. Que passo a explicar como se me apresenta hoje.
Entendo que a espiritualidade é
uma dimensão indissociável da condição humana, mais do que o bem exclusivo
de Igrejas, Religiões ou Escolas de pensamento. Na prática, fala-se de
Espiritualidade para a parte da vida psíquica, fruto da inteligência humana,
que nos parece mais elevada: aquela que nos confronta com Deus ou com o absoluto,
com o infinito ou com o todo, com o sentido da vida ou a falta dele, com o tempo
ou com a eternidade, com a oração ou o mistério. Temos a felicidade de ter na
nossa R.’.L.’. homens de religiões reveladas diferentes, de escolas de
pensamento diferentes, sem opção por nenhuma das religiões reveladas, sem se
reconhecerem em nenhuma escola de pensamento, homens de profundo esoterismo e
outros que nem por isso.
Não temos porém nenhum despojado
da assunção da sua espiritualidade. O respeito por essas opções é a nossa
riqueza, a base para a geração da harmonia. Isto exige uma reflexão profunda
do que é a tolerância maçónica, sempre á Luz de um ideal maior que todas as
religiões e escolas de pensamento. Porque a Maçonaria está num patamar
diferente. Não se preocupa com a forma como cada um vive a sua espiritualidade
nem ambiciona ter voto nessa matéria. A preocupação da Maçonaria é o
Individuo e depois o Mundo, onde vivem os homens hoje e os de amanhã, a sua
preocupação ultima é a vida dos homens na Terra, e não oferecer salvação
ou condicionar a sua existência á salvação eterna. Para isso existem outras
sedes, cujo sucesso e eficácia jamais se poderá questionar ou até medir. A
espiritualidade que aqui tratamos remete-se para a relação do homem com o
divino em vida, aqui na Terra e como essa relação pode condicionar as suas acções
com vista ao cumprimento de um ideal ou Desígnio.
E como os seus obreiros são
homens plenos em todas as suas dimensões, a Maçonaria não se demite de
aprofundar a relação dos homens com o divino, lutando para que isso os una e
jamais os divida, porque a Maçonaria quer libertar os homens das grilhetas e
levar esses mesmos homens a realizar a sua dimensão espiritual em total
liberdade e no pleno respeito pelas crenças alheias. O que nos une será o
sentir o Universo, o Todo, que nos contem e nos transporta, uma presença
universal…Será possível uma espiritualidade universal? É minha convicção
profunda que sim, mais do que uma espiritualidade clerical e redutora ou do que
uma laicidade desprovida de espiritualidade!
Uma espiritualidade universal… Será uma espiritualidade da imanência, mais
do que da transcendência, da meditação mais do que da oração, da unidade
mais do que do encontro, da lealdade mais do que da fé, do amor mais do que da
esperança, e que será igualmente motivadora de uma mística, ou seja, de uma
experiência da eternidade, da plenitude, da simplicidade, da unidade, do silêncio…
É a essa
espiritualidade universal que ouso chamar Espiritualidade Maçónica. Mas antes
de a procurar definir, poderei por ventura afirmar que é apenas no trabalho maçónico
que ela poderá ser verdadeiramente aprofundada. Não um conceito que se aprenda
nos livros, tem de se sentir e de se viver, fruto de um percurso iniciático.
No entanto, a Maçonaria não revela nenhuma verdade superior nem dá respostas
cabais ás questões que atormentam a nossa dimensão espiritual. Pelo contrário,
convida os II.’. a procurarem saber quem são, conhecerem-se a si mesmos, com
o intuito de se cumprirem, o que é profundamente diferente, colocando-os na via
dessa procura e dessa realização, situando-se aqui o verdadeiro significado da
iniciação, o primeiro passo de um caminho a percorrer e trabalho para fazer na
construção do nosso templo interior.
Assim, a tolerância apresenta-se
como uma das principais virtudes da Maçonaria e do maçon. Trata-se de uma
atitude interior que repousa no respeito pela individualidade espiritual do
candidato, pela liberdade de pensamento e pelo percurso intelectual e espiritual
que cada maçon depois de iniciado escolhe para si. É neste pressuposto que
assenta a minha afirmação de que a Espiritualidade Maçónica é uma
Espiritualidade Livre: ao sugerir um caminho individual para a relação com o
divino, constrói também um percurso libertador, é um processo livre. Para
isso ser possível, precisa no seu seio de homens diferentes dos demais.
O nosso trabalho hoje ao escolher
esses homens, é com a convicção plena de que hoje se podem encontrar em
qualquer proveniência, podem ter estado ao nosso lado toda a vida, serem os
nossos amigos de infância, familiares ou colegas de profissão, como podem
estar por detrás de um e-mail manhoso sem rosto.
Temos é de estar certos de que
estão á altura do desafio, é de critério que vos falo, não de forma de
ingresso nem de sede de relação. Porque é lógico que apenas podemos indicar
homens que conhecemos minimamente e por isso têm de vir das nossas relações
pessoais, todos temos porém pessoas de quem gostamos muito que sabemos não
terem os requisitos mínimos para poderem ser iniciados, por mais que de disso
gostássemos, fosse porque razão fosse. O critério é tudo.
É tudo porque a eles vão ser
exigidos sacrifícios, de tempo para dedicar ao trabalho, para comparecer ás
sessões, para se despojarem de títulos e posições, para se disporem a
aprender, a aceitar criticas quando para isso não estão preparados e cuja
propriedade da origem questionam, a aguentar ouvir aquilo que não entendem sem
julgar, a sentir que fazem parte de algo maior e viver com essa avassaladora
responsabilidade sem ser esmagado, quando finalmente se torna clara a missão a
que se propuseram.
Por mais capaz que qualquer um
seja, tem um percurso a fazer, para poder identificar ferramentas, e então
dedicar-se ao trabalho. Uma L.’. maçónica é uma elite dentro de uma
comunidade, coisa que facilmente assumimos sem complexos nem soberba.
Entre nós deverão estar os mais
capazes nas suas áreas de intervenção, que podem ser profissionais ou não, têm
apenas de ser úteis ao projecto, estar dispostos a aprender e a ensinar
partilhando. Ser maçon é uma vivência, uma forma de estar na vida e perante a
vida, onde a Honra, a Ética Moral, o sentido de missão, o espírito
cavaleiresco das suas acções, fruto da Responsabilidade de se ser e sentir
Diferente, assumem um aspecto fundamental.
Não somos com certeza homens
plenos de virtudes, todos temos as nossas arestas para desbastar. E este é o
local para o fazer, depois de responder ao chamamento e livremente bater á
porta do Templo, para servir o Desígnio. Com a orientação de todos os
obreiros, tornar ferramentas capazes em ferramentas melhores. Porque somos
ferramentas de trabalho, somos os que cumprem e efectivam o Desígnio, como
outros o fizeram antes de nós.
Os desígnios dignos desse nome
sempre tiveram um cunho marcadamente iniciático, porque não se prendem com
objectivos de pedra, betão ou madeira, mas com a realização dos sonhos, sendo
perpetuados no tempo indefinidos enquanto matéria, mas muito claros quando
conceptualizados por homens que se dispuseram a um processo de transformação e
crescimento como o nosso, essa ideia indizível transmite-se pela iniciação,
pelos rituais, pela via iniciática. E para isso, a dimensão espiritual do
homem têm de ser a sua consciência maior, aquilo que lhe rege as acções e
circunscreve as paixões e os sonhos á luz das suas capacidades e talentos.
E neste trabalho não há espaço
para paternalismos com os menos capazes e aptos, para soberbas profanas ou para
alimentar egos com comendas. Não se faz parte da Maçonaria, não se pertence
á Maçonaria, é-se maçon. Da sua relação com a L.’. e da sua condição
de maçon só o individuo pode ser responsável, se não se sente capaz ou a
tarefa assusta, mais vale arrepiar caminho. Sem jamais hipotecar a solidariedade
inerente á fraternidade leal, todos temos momentos menos bons e felizes e para
isso cá estamos todos e nessa altura dizemos presente.
Não
estamos é aqui para tomar conta de ninguém, proporcionar benefícios ou
oferecer a salvação, estamos aqui para trabalhar, o nosso tempo é curto e o
trabalho imenso. A pujança e força que a R.’.L.’. Alengarbe demonstrou no
último ano, ao iniciar os cinco candidatos que submetemos ás provas, é a
prova de que se consegue crescer sem hipotecar este critério. Para que nos
cumpramos á luz do que aqui nos trouxe, temos de ser objectivos, sob pena de se
esvaziar o sentido da Ordem Maçónica e o trabalho ficar por fazer,
comprometendo o Desígnio.
Reconhecendo
os méritos e as virtudes dos nossos II.’., não potenciando e exacerbando os
seus defeitos, que desses não precisamos, usando o fole com cautela na forja
para que a ferramenta que lá se aperfeiçoa não enfraqueça por falta de atenção
ou derreta por excesso dela. Desbastando a pedra em bruto, com a lealdade que a
critica exige, com a fraternidade que o sacrifício cultiva, com a generosidade
a que partilhar o desígnio não é alheia, com o reconhecimento da força e
inteligência para o fazer cumprir. Dessa partilha nasce a riqueza da Irmandade,
do respeito pelo trabalho e pela forma como é executado. Não sendo santos nem
isentos de virtude, temos todos consciência do Desígnio.
Assumamos o objectivo que aqui nos
trouxe e não deixemos que nada perturbe a caminhada para a realização desse
mesmo Desígnio, que não assume forma material, mas é apenas uma ideia que
todos partilhamos…
Uma ideia de Homem e de Mundo.
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