Rivista di Massoneria - Revue de Franc-Maçonnerie - Revista de Masonerìa - Revista de Maçonaria |
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MONOGRAFIAS MAÇÔNICASpelo Ven.Irmão WILLIAM ALMEIDA DE CARVALHO 33JEAN THEOPHILE DESAGULIERS (1683-1744)
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I – Introdução Visa-se aqui dar uma idéia acerca da vida e da obra de Jean Théophile
Desaguliers, mais conhecido na Inglaterra como John Theophilus. Desaguliers
ocupa uma posição impar quando da fundação da Grande Loja de Londres, por não
se identificar com alguns nobres empoados de então nem com os supersticiosos maçons
plebeus dos primórdios que confundiam superstição com esoterismo e
misticismo, fato tão comum no Brasil de hoje.
Desaguliers, além de possuir uma sólida formação científica, como se
verá a seguir, era um homem também pragmático, preocupado em resolver os
problemas concretos de seu tempo, extrapolando na preocupação com questões
metafísicas. Homem de escol, é considerado um dos Pais Fundadores da moderna
maçonaria.
II – A Saga Huguenote de La Rochelle
O nosso personagem é proveniente de uma família huguenote. Como se sabe,
huguenotes são protestantes franceses que se desenvolveram durante a Reforma do
século XVI. Sofreram penosas perseguições já que a fé que os guiava,
durante muitos anos, esteve baseada nas idéias de Calvino. Esses protestantes
fundaram em 1559 uma igreja na França que grassou como um rastilho de pólvora.
Emergiram vitoriosos sobre as forças católicas durante as Guerras Religiosas
(1562-98) e, pelo Edito de Nantes, receberam uma certa liberdade religiosa e política.
Desaguliers nasceu em 12 de março de 1683 em Aytré, um
subúrbio de La Rochelle na França. Era filho do pastor huguenote Jean
Desaguliers da comunidade protestante de La Rochelle.
Os huguenotes franceses viviam por esta época momentos difíceis. Desde o começo do século XVI, La Rochelle era uma
cidade muito próspera que lucrava com o comércio, principalmente com o da América.
Tornou-se um centro calvinista extremamente ativo. Em 1571, houve um importante sínodo protestante que
adotou, sobre a inspiração de Théodore de Bèze, a Confissão de La Rochelle. Em 1573, Henrique III, ainda como duque
de Anjou, cercou a cidade por mais de seis meses. Os protestantes franceses
formavam então um formidável grupo de pressão econômica, política e
militar, sustentados pelos ingleses, alemães, holandeses e genebrinos. Não
eram camponeses, mas sim citadinos nobres e burgueses.
Na segunda metade do século XVI, os ataques católicos aos protestantes
fazem-se cada vez mais virulentos, culminando com o massacre de São Bartolomeu,
em 24 de agosto de 1572, no qual foram mortos mais de 30.000 pessoas. Os católicos
franceses, reagrupados no partido da Santa Liga, entre 1576 e 1584, não
cessaram de fustigar os protestantes e os reis considerados muito hesitantes. Na
esperança de legalizar na França a existência de uma igreja reformada e de
apaziguar os ânimos, o rei Henrique IV (1553-1610), soberano então
protestante, convertido ao catolicismo uma semana antes do massacre de São
Bartolomeu e reconvertido ao protestantismo em 1576, assina em 13 de abril o
Edito de Nantes.
O Edito de Nanates concedia aos protestantes concessões consideráveis,
notadamente a liberdade de consciência; a liberdade de culto nos domicílios
senhoriais, em todas as cidades onde o culto reformado existisse de fato; uma
anistia geral para todos os “crimes” cometidos no passado e a outorga de 150
lugares de refúgio, 66 cidades ou castelos onde a guarnição era mantida pelo
rei. São exemplos significativos as cidades
de Montauban e La Rochelle que pertenciam então aos protestantes desde a
primeira guerra de religião de 1562. La Rochelle tornou-se a mais forte
praça de guerra cedida aos protestantes pelo Edito de Nantes.
O Edito de Nantes era mais uma constituição que um edito, pois,
efetivamente, era a constituição político-religiosa de uma minoria tornada
independente dentro do país, ou seja, um Estado dentro do Estado. Tal situação
não iria durar muito, já que os ódios represados logo explodiriam. Em 1627, o
cardeal Richelieu, a propósito do pacto entre La Rochelle e a Inglaterra, que já
declarara guerra à França, iniciou a destruição daquela praça de guerra
protestante em solo francês. O cardeal conduziu pessoalmente o cerco à cidade
rebelde, construindo em terra firme, 12 km de linhas contínuas de fortificações
e, no mar, a construção de um dique destinado a impedir a chegada de
suprimentos aos sitiados pela frota inglesa. Os rochelenses, comandados pelo
almirante Jean Guitton, prefeito da cidade, resistiram durante quinze meses até
que a fome forçou-os à rendição em 28 de outubro de 1628. As
fortificações da cidade foram arrasadas e as franquias municipais suprimidas.
A partir de então, La Rochelle entrou em declínio sensível.
Luiz XIV, persuadido pelo fato de
que os protestantes, desde então, haviam desaparecido do solo francês, seja
pela fuga, pela conversão ou pelo massacre, resolveu abolir o Edito de Nantes
pela sua inutilidade e falta de objetivo. Pensou ter criado, assim, a ferro e fogo, a unidade religiosa do país.
Em 18 de outubro de 1685, outorgou o edito de Fontainebleau que revogou o Edito
de Nantes. Por tal edito, os protestantes perderam “ipso facto” toda
liberdade de culto e toda garantia de segurança, ou seja, seriam extirpado, seu
“status” legal. Tornaram-se, portanto, foras-da-lei; suas propriedades foram
confiscadas e privados de todos os seus direitos pessoais. A guerra civil
irrompeu como guerra clandestina, com a fuga para os países protestantes de
centenas de clérigos, que se auto-exilaram, pois foi-lhes dado um prazo de 14
dias para deixar a França, caso contrário sofreriam a pena de morte. Suas
igrejas destruídas, foram deixadas em ruínas. Tiveram, por conseguinte, que
abandonar ex abrupto não somente seus
bens, também de seus filhos, sendo-lhes proibido levá-los para fora da França,
para que se se reeducassem na fé romana. Mais de 400.000 huguenotes se
refugiaram, principalmente na Holanda e na Prússia, países que se gratificaram
em receber tais recursos humanos estratégicos, em sua imensa maioria,
comerciantes, empresários e letrados. A América inglesa recebeu também um
contigente respeitável de tais quadros que desfalcaram a elite francesa.
III – O Exílio Londrino e a Vida Acadêmica
O pai do nosso Desaguliers, o pastor Jean foge para Guernsey por causa da
Revogação, levando consigo o pequeno Jean Théophile, com dois anos, escondido
dentro de um tonel. Nove anos depois se estabeleceram em Londres. Convém aqui
especular sobre como tais fatos trágicos, vividos pelos huguenotes e pela família
Desaguliers em particular, marcaram a mente do nosso personagem, influenciando-o
na busca da paz e da fraternidade e na sede por conhecimento científico e
tecnológico que o perseguiram durante toda sua vida. Nunca confundiu esoterismo
com superstição, como é tão comum no Brasil.
Instalado em Londres, Jean Desaguliers pai integrou-se rapidamente ao
clero anglicano e tornou-se pastor numa igreja na Swallow Street (rua da
Andorinha), templo favorito dos imigrados franceses. Criou, concomitantemente,
uma escola em Islington, freqüentada pelos filhos de outros refugiados, dentre
eles vários nobres. Seria aí, que o jovem Jean Théophile, educado pelo seu
pai até os 16 anos, matriculou-se e recebeu um estudo de elite que o tornou
apto a ingressar na mais prestigiosa universidade inglesa: o Christ Church de
Oxford. Ali estudou com o Dr. John Keill, professor de astronomia já célebre
pelas suas teorias de filosofia experimental, premissas das ciências modernas,
e autor de duas obras: uma Introductio ad
veram physicam seu lectiones physicae habitae in schola naturalis philosophiae
Academia Oxoniensis (Uma Introdução à Filosofia Natural ou Conferências
Filosóficas lidas na Universidade de Oxford) e uma Introductio ad veram astronomiam seu lectiones astronomicae habitae in
schola astronomiae Academia Oxoniensis (Uma Introdução à verdadeira
astronomia ou Conferências de Astronomia lidas na Escola de Astronomia da
Universidade de Oxford).
Jean T. Desaguliers bacharelou-se em 1709 e recebeu o
diaconado do bispo de Londres em 7 de junho de 1710. Neste
mesmo ano, diplomou-se, tendo, em seguida, obtido um mestrado em filosofia e
letras em 1712, sucedendo ao Dr. Keill na cadeira de filosofia experimental no
Hert Hall de Oxford. Neste meio tempo, em Shadwell, casou-se com Joanna, a filha
de William Pudsley e um ano mais tarde mudou-se para Westminster onde se tornou
o primeiro mestre de conferências em ciências. Vem desta época a sua amizade
com Sir Isaac Newton (1642-1727) que se tornou o padrinho de um de seus dois
filhos. Em 16 de março de 1718 obtém o título de Doutor em Direito Civil por
Oxford, tendo, antes, recebido as ordens sacerdotais em 8 de dezembro de 1717 do
bispo de Ely, sendo presenteado, pelo Lorde Chanceler, com a cúria de Bridgeham
no Norfolk, que dirigiu até março de 1726 quando a trocou para viver em Little
Warley no Essex.
No século XVIII, não era usual para um clérigo operar em dois lugares
simultâneamente. Assim, em 28 de agosto de 1719, tornou-se capelão do duque de
Chandos que lhe ofereceu a paróquia de Whitchurch no Middlesex. Nesse ínterim,
conservou sua residência em Londres onde deu aulas até a sua morte em 1744.
Paralelamente às suas pesquisas em física, traduziu para o inglês uma
obra de Nicolas Gauger intitulada Mécanique
du feu que trata da concepção e da construção das chaminés. Tal obra teve como título em inglês: Treatise
on the Construction of Chimneys, publicada em 1716. Tornou-se
também um especialista em ventilação, chegando mesmo a superintender a
construção de um sistema de ventilação na Casa dos Comuns. Neste mesmo ano
publica seus estudos de física experimental sob o título de Lectures
of Experimental Philosophy (Lições de Filosofia Experimental) reeditadas
posteriormente em 1719. Vêm, desta época, seus estudos sobre a máquina a
vapor: aplicou a válvula de segurança, inventada pelo huguenote Dennis Papin,
que tinha estudado em Paris com o holandês Christiann Huygens, à máquina
inventada pelo mecânico inglês Thomas Savery que utilizava a tensão do vapor
d’água como força motriz para bombear água nas minas de carvão. Tal máquina
foi melhorada por James Watt tornando-se a primeira máquina a vapor, fator
propulsor da Revolução Industrial. Releva-se aqui que Desaguliers não só
participou ativamente da corrente científica do seu tempo mas também comungou
da idéia de que a tecnologia deveria servir à humanidade, libertando-a do
trabalho braçal escravizante.
Sua crescente reputação de sábio facultou-lhe o ingresso em diversas
sociedades científicas. Em 29 de julho de 1714, ingressou como Membro, na Royal
Society de Londres, fundada em 1660, chegando mesmo a se tornar Demonstrador
e Curador da referida Sociedade. Participou também da Gentlemen’s Society em
Spalding no Lincolnshire em 1724, uma sociedade literária e de antiquários.
Era ainda Membro Correspondente da Academia Francesa de Ciências. Desaguliers
consagrou-se, então com Newton, do qual se tornou assistente, a diversas
pesquisas no terreno da física experimental, notadamente aquela que consistiu
em se deixar cair do topo da Catedral de São Paulo, globos de vidro a uma
altura de 105,72 m, fato que lhe permitiu escrever um artigo intitulado: “An
Account of some experiments made in the 27th. Day of
April, 1719, to find how much the resistence of the air retards falling bodies” (Relatório sobre diversas experiências tentadas
no dia 27 de abril de 1719 com o propósito de avaliar em que medida a resistência
do ar retarda a queda dos corpos), publicado nos Philosophical Transactions da Royal
Society. Desaguliers ajudou ainda Isaac Newton, na redação dos Corrigenda
e dos Addenda, acrescida por ele ao Livro
I de seus Philosophiae naturalis
principia mathematica (Princípios matemáticos de filosofia natural) já
editados em 1687.
De 1730 a 1732, viajou freqüentemente aos Países-Baixos, dando inúmeras
conferências pagas a 30 shillings por cabeça, um preço alto para a época. Retornando à Inglaterra entre 1733-1734, uma controvérsia o
opõe a Jacques Cassini, considerado o inventor da cartografia topográfica e
diretor do Observatório de Paris, sobre o maior problema científico do século
XVIII: a determinação da longitude. Como se sabe, a determinação da latitude
nunca foi problema desde priscas eras, mas a longitude só foi resolvida no século
XVIII por um relojoeiro, contra todos os pareceres dos cartógrafos e astrônomos
da época, conforme bem elucidado no opúsculo sobre a matéria de Dava Sobel. O
Brasil possui esta dimensão continental pela incapacidade dos nossos
antepassados coloniais em determinar com precisão a longitude, fossem eles
espanhóis ou portugueses. Cassini
sustentava que a determinação do meridiano de Paris poderia ser encontrada,
traçando-se uma perpendicular indo de Saint-Malo a Estrasburgo. Tudo isto
estava no contexto da polêmica opositora entre os membros da Real Sociedade,
conjuntamente aos integrantes do Observatório de Greenwich, fundado em 1675,
contra os membros da Academia Real de Ciências de Paris, criada em 1666 e os do
Observatório de Paris, fundado em 1667, sobre o melhor meio de determinar-se o
exato comprimento e a localização dos arcos do meridiano, dados vitais para a
navegação da época.
Desaguliers publicou em seguida, diversas obras: em 1734,
A Course of Experimental Philosophy
(Curso de Filosofia Experimental) em dois volumes e, em 1735, uma edição
dos Elements of Catoptrics and Dioptrics (Elementos
de Catóptrica e Dióptrica) de David Gregory. Por último, traduz do latim para
o inglês, os Mathematical Elements of
Natural Philosophy (Elementos Matemáticos de Filosofia Natural) de
Gravesandes. Em 1742, recebeu a Medalha de Ouro Copley da Real Sociedade em
reconhecimento pelos seus diversos experimentos científicos e tecnológicos, e
sua Dissertation of Electricity,
publicada no mesmo ano, ganhou o prêmio da Academia de Bordéus. Seu profundo
conhecimento científico, apoiado numa intensa mente pragmática, tornou-o, também,
um inventor e um consultor de engenharia em diversos projetos. Tanto assim, que
deu consultoria em questões de engenharia na reconstrução da ponte de
Westminster nos anos que se seguiram a 1738.
Em todos os debates, Desaguliers mostrou-se provido de um grande talento
para a vulgarização científica, falando das coisas mais complexas em termos
simples e compreensíveis, tanto para os especialistas como para os leigos.
Desaguliers tornou-se mais conhecido pela sua contribuição à evolução
da ciência do que por suas obras religiosas como ministro do culto. Sua obra
religiosa reduziu-se à publicação de um sermão sobre o arrependimento. Se
sua obra religiosa era o ponto fraco de sua vida intelectual, o mesmo não se
pode dizer de sua produção, tanto universitária onde mereceu, como vimos, o
respeito e a amizade dos homens de ciências e dos grandes de seu tempo, como maçônica,
onde se distinguiu de maneira ainda mais marcante. IV – A Vida Maçônica
A data de Iniciação de Desaguliers não pode ser precisada[1],
mas deve-se situar antes da primeira assembléia da Grande Loja da Inglaterra em
24 de junho de 1717. Como é notório, este dia inicia o período obediencial,
sendo um marco relevante na história da maçonaria universal. Pode-se afirmar,
contudo, que Desaguliers foi, conjuntamente a Anderson, membro da Loja Nº 2 que
se reunia na Taverna Horn. Existem registros de que teria sido também Venerável
da French Lodge do Templo de Salomão em Hemmings Row. Aparece também como
Venerável da Lodge of Antiquity, então Loja Nº 1, em 1723. Em 1731, na Lista
das Lojas, aparece tanto como membro da Loja Bear & Harrow (atualmente Loja
São Jorge & Corner Stone nº 5) quanto como integrante da Loja University nº
74 que abateu colunas em 1736.
Desaguliers apresentou sua candidatura ao grão-mestrado em 1717, mas
somente foi eleito para este posto em 24 de junho de 1719 numa loja reunida na
Taberna do Ganso e da Grelha, conforme foi descrito por Anderson na segunda edição
(1738) de suas Constituições[2].
É o terceiro grão-mestre da ordem e o último plebeu a ocupar tal posição.
Após a administração de Desaguliers, a função de Grão-Mestre torna-se apanágio
de membros da família real inglesa ou da nobreza, apresentando-se, desde então,
como essencialmente honorífica. Vale aqui recordar a cronologia da sucessão do
grão-mestrado: i) Anthony Sayer (1717-1718), ii) George Payne (1718-1719), iii)
o nosso Desaguliers (1719-1720), iv) a reeleição de George Payne (1720-1721),
v) o primeiro nobre: John, duque de Montangu (1721-1722) e vi) Philip, duque de
Wharton, um nobre lascivo cuja biografia os nossos Irmãos ingleses comentam
pouco. Quando aqui chegarem informações acerca da sua notória participação
no Hells Fire Club, escandalizar-se-ão 98% dos maçons brasileiros. Os ingleses
morrem de vergonha da atuação do duque de Wharton e escondem com unhas e
dentes as informações sobre o Hells Fire Club. Como o referido duque de
Wharton era um doidivanas, seria tarefa do grão-mestre adjunto dirigir os
trabalhos da ordem e o nosso Desaguliers, ainda bem, foi nomeado três vezes
para tal posto: em 1722, pelo femeeiro Wharton; em 1724, pelo conde de Dalkeith;
e em 1725, por Lorde Paisley. Os
maçons ingleses daquele tempo eram como os brasileiros de hoje: demonstravam
pouco apreço para com os documentos e arquivos da ordem. Deve-se a Desaguliers
a conservação, depois de 1723, da maior parte dos documentos históricos da
obediência, notadamente as atas das reuniões dos primórdios da ordem. Ainda
como campeão da ordem, da regularidade e do protocolo, introduziu inúmeras
regras concernentes aos seguintes aspectos: traje maçônico, alfaias, jóias,
festas na ordem, hierarquia dos brindes nos banquetes e outros costumes que
vieram a fazer parte integrante da nova maçonaria especulativa que estava em
gestação. Sob sua administração, numerosos antigos discípulos, que tinham
negligenciado seus deveres maçônicos, retomaram seus trabalhos em loja e
muitos nobres são iniciados. Importante é salientar que, no período em que
Desaguliers exerceu o grão-mestrado, seja como titular ou adjunto, vários irmãos
eram também membros da Real Sociedade, ou seja eram homens de escol não só
pela sua posição social como também pela intelectual.
Desaguliers sentiu na própria pele o significado da intolerância,
pautou, pois, a sua atuação na ordem então nascente para direcioná-la no
sentido da tolerância e da fraternidade universais. Criou assim a caixa de auxílio
mútuo maçônico e os fundos de beneficência da Grande Loja da
Inglaterra. A idéia de tolerância, cuja primeira definição
sistematizada se encontra no Tratado Teológico-político
(1670) de Spinoza, funda a noção de igualdade entre indivíduos no seio de uma
sociedade pluralista sobre o plano religioso. Foi, mais tarde, estendida por
John Locke que, nas suas Cartas sobre a
Tolerância e sobretudo no Segundo
Tratado sobre o Governo, propõe o sistema parlamentar representativo de
governo como meio de barrar o arbítrio do poder do Príncipe, outorgando
direitos aos indivíduos, legitimando assim a consecução dos interesses
individuais. Antes de Locke na Inglaterra, quando um grupo político-dinástico
vencia outro, matava, exilava, confiscava os bens dos adversários, numa
selvageria digna de uma cubata africana. A elite inglesa tomou consciência de
que tal procedimento político gerava insegurança, transformando o mundo político
numa arena hobbesiana (a luta de todos contra todos) extremamente instável e
perigosa. Locke então propõe carrear todo o conflito político para um caldeirão,
chamado parlamento, onde os que detivessem a maioria, formariam o governo e os
minoritários cuidariam da oposição. Com o correr do tempo, o governo sofreria
a erosão natural do poder, cabendo a vez à oposição formar o novo governo.
Ao invés da morte e do confisco dos bens, haveria a queda do gabinete,
favorecendo assim a rotação de elites no poder. Mecanismo institucional muito
mais civilizado e inteligente do que resolver o conflito político na base da
peixeira na barriga do oponente.
Após 1723, Desaguliers ajuda Anderson a redigir as famosas Constituições que se tornaram o farol básico da maçonaria simbólica.
Anderson faz uma síntese dos antigos
deveres misturando-os com outros tirados das diversas tradições,
especialmente os documentos góticos,
queimando o resto, fato que escandalizou as velhas lojas-mães de Londres, York
e Westminster. As Constituições de Anderson de 1723 é o divisor de águas entre os
maçons operativos e especulativos. No mesmo ano, sobre a inspiração de
Desaguliers, a Bíblia, qualificada daí por diante, de Livro da Lei, substitui
as Antigas Obrigações sobre as quais os juramentos eram prestados. É ainda
atribuído a Desaguliers, a redação do livro Charges
of a Free-Mason (Obrigações de um Maçom) e que tem permanecido
substancialmente o mesmo desde a edição de 1723.
No ofício de grão-mestre adjunto,
Desaguliers contribui ativamente para a redação dos primeiros rituais.
Introduziu nestes a idéia de que os maçons operativos faziam do trabalho: como
um ato nobre, um dom de Deus, e não, como se pensava até então, como uma
maldição, um castigo devido à expulsão do paraíso, como está no Gêneses
(4:17-19). Por falar em Deus, a expressão GADU, apesar de ter sido introduzida
por Anderson, tem também o dedo de Desaguliers, pois o referido conceito –
GADU – facilita a introdução do deísmo na maçonaria nascente, substituindo
o teísmo católico, tão bem professado pelos maçons operativos, reforçando
assim o anglicanismo que era um pouco mais aberto à tolerância do que a religião
de Roma. Convém ainda salientar que o deísmo é mais professado entre os
cientistas crentes do que o teísmo, o Deus de Leibniz, de Spinoza, de Einstein,
dos cientistas enfim, não é o mesmo Deus de Abraão, Isaac e Jacó. E
Desaguliers como cientista...
A partir de 1670, muitos rabinos de origem polonesa
estabeleceram-se em Londres e Desaguliers manteve contato com eles ou com seus
sucessores para que se juntassem à então maçonaria nascente. No dizer de
Robert Ambelain[3], foi devido a esses rabinos que Desaguliers hauriu a história
de um novo personagem maçônico: o mito de Hiram. Inspirados pela cabala prática,
ou seja, pela magia, a história de um novo personagem - Hiram – arquiteto do
templo de Salomão adentra ao ritual maçônico do terceiro grau[4]. Hiram acossado por três maus companheiros que desejavam
roubar seus segredos, é morto, enterrado, encontrado e depois ressuscitado. A
interpretação simbólica desta morte em loja, aplicada ao sentido moral e
espiritual, enquanto o candidato toma o lugar de Hiram, faz definitivamente a
ordem sair do domínio operativo e ingressar compulsoriamente no domínio
especulativo. Este ritual, oposto ao ensino bíblico e à interdição de tocar
os cadáveres, extremamente surpreendente para os maçons do século XVIII,
encontra de fato sua justificação pela envergadura do espírito de
Desaguliers, que desejava assim legar à maçonaria uma dimensão que
ultrapassasse um cristianismo tacanho e etnocêntrico da sua época. É preciso
ver aqui um símbolo: as profundas mudanças que Desaguliers aporta ao relato da
cabala dão a este ritual uma profundidade que supera a tristeza e o macabro.
Desde então, para os maçons, a morte não é mais um fim terrível, mas
somente uma passagem, e a iniciação, que é de fato este ritual de passagem,
termina necessariamente por uma regenerescência do indivíduo. Por este ritual,
Desaguliers oferece aos maçons que se iniciam, uma mensagem de esperança: pela
força do trabalho e da virtude, o maçom ganha sua própria purificação.
Desaguliers sempre foi um viajor contumaz. Convidado a ir
à Escócia como homem de ciências e engenheiro, aproveita a ocasião para
explicar o novo ritual simbólico aos membros da Loja St. Mary’s Chapel. Faz
uma demonstração prática iniciando o lorde prefeito de Edimburgo e todos os
membros do seu conselho. A maçonaria escocesa, então operativa, ansiava por
tornar-se verdadeiramente especulativa nesta ocasião. De volta à Inglaterra em
1726, inicia a Lorde Kingsdale na loja que se reunia no Swan & Rummer, na
presença do Grão-Mestre, conde de Inchquin. Em 1731, viajando pelos Países
Baixos, preside, como Venerável Mestre de uma Loja de Ocasião, nos salões do
embaixador inglês na Haia - Lorde Philip Chesterfield – uma sessão no curso
da qual inicia Francisco, duque de Lorena, futuro duque de Toscana, imperador do
Santo Império Germânico e esposo de Maria Teresa, imperatriz da Áustria.
Pode-se afirmar que o nosso personagem introduziu a maçonaria nos Países
Baixos. Voltando, em seguida à Inglaterra, é julgado o mais apto a iniciar o
príncipe de Gales - Frederik Lewis[5]
- tendo sido o primeiro de uma longa linhagem de príncipes da Casa Real de
Hanover que se tornaram maçons - e o faz, no curso de uma sessão organizada no
Palácio de Kew em 1732. Ainda sobre sua estreita relação com a realeza, foi
nomeado Capelão para o mesmo príncipe de Gales, dava conferências para a família
do rei George II e era um dos favoritos da rainha Carolina. Entre 1734 e 36,
voltamos a encontrá-lo em Paris, onde pronunciou diversas conferências científicas,
sempre ao lado de lorde Chesterfield. Inicia, na loja De Bussy, a Luiz Phélipeaux, conde de Saint-Florentin e
duque de Lavrillière. Ajuda a fundar, ainda em Paris em 1735, a famosa loja
Louis d’Argent. Em 1738 foi nomeado capelão do Regimento de Dragões Bowles.
Desaguliers, como muito outros homens, tinha uma dupla personalidade.
Reservado e austero em público, ele se transformava no interior das reuniões
maçônicas. No interior de uma loja, quando as portas ficavam bem guardadas,
liberava seu espírito, tornava-se gozador, cantarolava com vivacidade os hinos
maçônicos e, até mesmo, apreciava uma alegre libação que muitas vezes,
acentuava a sua famosa gota, forçando-o a andar de bengala. Dizia-se mesmo que
despendia bastante dinheiro nas suas mini-farras com os irmãos, o que
provavelmente era verdadeiro, pois viajava muito, como vimos acima, e suas
numerosas atividades deviam render-lhe somas apreciáveis.
As atas da Grande Loja demonstram cabalmente que até quase o final de
sua vida participou ativamente das suas deliberações. Sua última presença em
loja ocorreu em 8 de fevereiro de 1742. Faleceu em 29 de fevereiro de 1744, com
61 anos e está enterrado na Capela Real do célebre Hotel Savoy de Londres. Seu
filho primogênito, Alexander, tornou-se, como ele, ministro do culto. Thomas,
seu segundo filho, seguiu a carreira militar, chegando ao posto de coronel, além
de ser escudeiro do rei George III da Inglaterra. Atualmente contam-se como seus
descendentes os troncos dos Cartwrights e dos Shuttleworths.
Feller, autor de uma Biografia Universal, declara que os últimos dias de
Desaguliers foram passados na tristeza e na miséria; teria perdido a razão e
se fantasiava, algumas vezes, de arlequim e palhaço. Cawthorn, num poema
intitulado The Vanity of Human Enjoyments (Vaidade
das Humanas Alegrias), afirma que Desaguliers estava quase indigente no momento
de seu passamento
Albert Mackey sustenta, pelo contrário, que estas descrições apócrifas
da morte de Desaguliers são francamente exageradas. Nichols, autor das Literary
Anecdotes (Anedotas Literárias), que conhecia Desaguliers pessoalmente, traça-lhe
um retrato mais lisonjeiro, declarando, no volume nono de sua obra, que ele
morreu no Bedford Coffee House e foi enterrado no Savoy. V - Conclusão
Não importam tanto estes fatos finais. O que está gravado no mármore
da história é que Jean Théophile Desaguliers, doutor em direito, cientista,
tecnólogo, ministro do culto e membro da Sociedade Real, a par de seus
conhecimentos, de sua situação social, de sua forte personalidade e de suas
contribuições ao espírito e às estruturas da maçonaria, enriqueceu tanto
esta instituição que carreou para ela um número crescente de pessoas de
estatura intelectual e social semelhantes às suas. Apesar de
sofrer de forte miopia foi um dos mais argutos maçons de sua época. Sob
sua liderança intelectual, a então nascente Grande Loja da Inglaterra se
espalhou para todo o mundo, tornando a maçonaria uma das maiores instituições
universais e, no acertado dizer de Mackey, fez de Desaguliers o Pai da Maçonaria
Especulativa Moderna. VI - Bibliografia - ENCYCLOPAEDIA BRITANNICA, 30 vols., University of Chicago,
USA, 1982. - Jean Théophile Desaguliers, trabalho da Loja Jean-Théophile-Desaguliers nº 138,
filiada à Grande Loja do Quebec, Canadá. - MACKEY, Albert G., Encyclopedia
of Freemasonry, vols. I e II, Kessinger Reprints, Kessinger Publishing, LLC,
Kila, MT, USA, s/d. - NEWTON, Edward, Brethren Who
Made Masonic History, The Prestonian Lecture for 1965, in The Collected Prestonian Lectures, vol. II, 1961-1974, Lewis
Masonic, London, 1983, pg. 46. - SINGH, Simon, O
Último Teorema de Fermat (A História do Enigma que Confundiu as Maiores Mentes
do Mundo Durante 358 Anos), ed. Record, Rio de Janeiro, 1998. - SOBEL, Dava, Longitude
– A Verdadeira História de um Gênio Solitário que Resolveu o Maior Problema
Científico do Século XVIII, Ediouro, Rio de Janeiro, 1996. - STOKES, John, Life of John
Theophilus Desaguliers, in Ars
Quatuor Coronatorum, vol. 38, Anais da Quatuor Coronati Lodge
Nº 2076, London, 1925, p. 285.
[1]
Alguns autores
afirmam que teria sido iniciado em 1712, mas inexistem provas documentais. [2]
ASSEMBLY and Feast at
the Said Place, 24 June 1719, Brother Payne having gather’d the Votes,
after dinner proclaim’d aloud our Reverend Brother John Theophilus
Desaguliers, LLD, FRS, Grand Master of Masons, and being duly invested,
install’d, congratulated and homaged, forthwith reviv’d the old regular
and peculiar Toasts or Healths of the Free Masons. Now several old Brothers,
that had neglected the Craft, visited the Lodges; some Noblemen were made
Brothers, and more new Lodges were constituted. In Lamoine, Georges, Les Constitutions d’Anderson, GLNF, Grande Loge de la Province
d’Occitanie, ed. SNES, Toulouse, 1995, pg. 188. [3]
Ambelain, Roberto, La
Franc-Maçonnerie Oubliée 1352-1688-1720, Ed. Robert Laffond, Paris,
1985, pp. 119-120. [4]
Desnecessário
assinalar que na primeira edição das Constituições
de Anderson em 1723 não se fazia menção ao grau de mestre, somente na
segunda edição de 1738 é que se menciona explicitamente o terceiro grau. [5]
Pai de George III, rei da Inglaterra. |