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MONOGRAFIAS MAÇÔNICASpelo Ven.Irmão WILLIAM ALMEIDA DE CARVALHO 33HISTORIA, ESCATOLOGIA E MODERNIDADE
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Ao estudar as questões referentes à escatologia deparei-me com o livro
fantástico de Rudolf Bultmann (Histoire et Eschatologie, Ed. Foi
Vivante, Neuchâtel, Suisse, 1959) em que passo a me basear para a reflexão
apontada no título acima.
Um dos grandes problemas do homem primitivo era o de se libertar do domínio
da natureza. Com a entrada do homem no processo civilizatório que implica, cada
vez mais, no avanço tecnológico, o homem consegue maiores graus de liberdade
em relação à natureza.
Até mesmo entre as mais iletradas culturas, a universalidade das crenças
religiosas, incluindo a crença em alguma espécie de existência após a morte,
é admitida pelos antropólogos.
Ao
realizar essa libertação, o homem começa, em contrapartida, a cair nas malhas
do processo da história, como se verá a seguir.
Os filósofos têm se debruçado, durante séculos, a tentar descobrir a
essência e o significado da História.
A historicidade do homem implica que se ele não pode escolher o seu
pondo de partida para uma verdadeira existência autêntica, poderia, pelo
menos, escolher o seu objetivo e os caminhos pelos quais desejaria trafegar. Os
homens modernos, contudo, começam a sentir,
e os filósofos têm demonstrado, que eles, no percurso desse trajeto, dependem
de circunstâncias e que devem lutar contra poderes contrários, muitas vezes
mais fortes que eles mesmos. Ou seja, o destino joga um papel muito forte nesse
processo, demonstrando não só a dependência como impotência do homem.
Além do mais, não são só os poderes exteriores – ou seja, a trama
histórica - que constrangem o homem
frente à sua vontade e aos seus planos, pois muitas vezes são a sua própria
vontade e seus planos que escapam ao seu controle racional. Quantas vezes as
boas intenções e os planos sublimes conduzem a conseqüências imprevisíveis
e indesejáveis? O exemplo da Revolução Francesa é lapidar: o projeto inicial
era de estabelecer uma constituição liberal e uma federação de nações
livres descambou numa ditadura militar e no imperialismo.
Os antigos gregos davam mais valor à natureza – ao cosmos –
do que à história propriamente dita; as mudanças não seriam devidas ao azar
mas apareciam conforme às leis – ao nomos. Existe uma certa ordem na
qual o homem encontra o seu lugar. Assim, ao compreender essa ordem e o seu
lugar no seu seio, o homem encontraria a sua morada. Visto que a lei da ordem é
a razão – o logos – da mesma maneira que a essência do homem é a
razão e é esta que constitui o elemento eterno que subsiste no próprio âmago
dos acontecimentos.
Esta concepção do mundo é implodida pela filosofia ou teologia dos gnósticos,
pois para eles, a ordem do mundo, ligada às leis fixas, é uma prisão na qual
o eu íntimo e autêntico do homem está encarcerado. O eu autêntico é
arrancado de sua morada celeste e aprisionado pelo corpo (soma = corpo e sema
= túmulo). Esse Ego autêntico é algo que ultrapassa esse mundo e
sua ordem. O homem deve então compreender a essência do mundo e de seu próprio
eu para realizar sua liberdade em relação ao mundo: a libertação dessa prisão
se dará somente pela morte, quando seu eu abandonará esse mundo e se elevará
até a sua morada celeste.
A antropologia gnóstica afirma ainda que o homem não é formado somente
por uma alma e um corpo, mas compreende também uma centelha celeste, ou seja, o
eu autêntico, prisioneiro da alma e do corpo. Toda a vida – natural e psíquica
– depende, para os gnósticos, do corpo e da alma. Assim, o eu não tem uma
agenda positiva, diríamos hoje, somente podendo ser descrito a partir de uma
agenda negativa. Os gnósticos clássicos sonhavam que, após sua morte,
exerceriam plenamente o seu eu autêntico. Poderia haver uma antecipação
virtual dessa existência futura através do êxtase místico, mas, mesmo assim,
o seu eu ainda seria definido pela agenda negativa.
A concepção cristã do mundo para que o homem exerça sua existência
autêntica é completamente diferente dos gregos e dos gnósticos. O Antigo
Testamento passa longe dessa visão de uma ordem da natureza dirigida pelas leis
– nomos – e inteligível pelo pensamento racional. O Gênesis
afirma que Deus criou o mundo e o confiou ao homem para que o habitasse e
trabalhasse. Deus é o único e verdadeiro mestre da história pois dirige o
processo histórico com o objetivo e através de um plano totalmente elaborado
por ele. Existiria então uma ordem divina nesse processo, mas não seria dado
ao homem o poder de entendê-la
através da razão. Indubitavelmente, a vida humana é deficiente, frágil e efêmera,
mas a Palavra de Deus é inquebrantável e o homem pode e deve contar com ela.
Deus é a autoridade irrecusável e o homem deve obedecê-lo, pois é nessa
obediência que o homem encontra a segurança para viver a sua existência autêntica.
A Igreja cristã vai tentar amalgamar a tradição grega com a concepção
vetero-testamentária. O homem medieval, por exemplo, sentia-se emaranhado e
sustentado por essa ordem divina que dirigia a natureza e a história. Ele
encontrava a autoridade de Deus na Igreja e ao obedecer aos mandamentos dela,
seria livre e poderia realizar sua vida autenticamente.
A concepção gnóstica irá tentar, durante séculos, quebrar essa fé
na ordem divina e na segurança que ela proporcionava. Nesse longo processo de
desconstrução e desmonte da ordem divina, pode-se salientar alguns momentos
culminantes: a Renascença, a Reforma, o Iluminismo e a Revolução Francesa.
Pouco a pouco, o valor da tradição declina com o homem começando a duvidar e
a contestar a referida ordem divina.
O Novo Testamento apresenta de maneira flagrante a problemática
da escatologia. Escatologia é a doutrina das “coisas últimas” ou mais
exatamente os acontecimentos pelos quais nosso mundo conhecido tende ao seu fim.
É a doutrina do fim do mundo, e sua destruição. A doutrina escatológica tem
uma importância decisiva para a história do Ocidente, pois desenvolve-se a
partir do conceito da periodicização do curso dos acontecimentos mundiais.
As primeiras comunidades cristãs acreditavam piamente na vinda próxima
do Filho do Homem, não da vinda de um Senhor histórico, mas de um Senhor
celeste que viria para julgar os vivos e os mortos e encerrar definitivamente
essa etapa profana do mundo. O fim estaria próximo, necessitando então de
conversões a toque de caixa para a preparação da parusia paulina. “Quando o
Senhor, ao sinal dado, à voz do arcanjo e ao som da trombeta divina, descer do
céu, então os mortos em Cristo ressuscitarão primeiro; em seguida, nós, os
vivos que estivermos lá, seremos arrebatados com eles nas nuvens para o
encontro com o Senhor, nos ares. E assim, estaremos para sempre com o Senhor”
(I Ts 4, 16s). Assim, pois, à pregação escatológico de Cristo, eram
incorporados e enriquecidos com temas do apocalipse judaico.
A segunda vinda de Cristo, tão apregoada, contudo, não se realizou
deixando uma certa frustração, desapontamento e dúvidas entre os acólitos. O
Filho do Homem não apareceu entre as nuvens e a história prosseguia na sua
marcha inexorável. A comunidade escatológica devia reconhecer forçosamente
que ela estava se tornando um fenômeno histórico e que, ipso facto, a fé
cristã estava se metamorfoseando numa nova religião. Uma das conseqüências
seria a valorização da tradição, uma vez que as testemunhas oculares da vida
de Cristo e da primeira geração estavam desaparecendo. O aparecimento e o
desenvolvimento da função eclesiástica fazia-se necessário para garantir a
verdade da tradição no qual o elemento mais importante seria a doutrina. E
dentro dessa, os sacramentos cumprirão uma função estratégica: i) como eles
garantirão á alma uma imortalidade benigna, os crentes não se interessarão
mais, em primeiro lugar à escatologia universal, mas à salvação da alma
individual e ii) como eles também serão administrados pela Igreja,
conectando-se às potências do au-delá, poderão manter uma saudável
saúde da alma e a história passará a ser vivida sem atropelos escatológicos.
Não se nega nem se abandona a escatologia, somente posterga-se a sua vigência
para um ponto bem mais distante, neutralizando-a, podendo a Igreja
transformar-se de comunidade escatológica em instituição de salvação.
Começa a aparecer então uma concepção teleológica da história, pois
se desenvolve de acordo com um plano divino proveniente do Antigo Testamento,
dos escritos apocalípticos e da teologia paulina. Santo Agostinho rompe com a
concepção circular do tempo pagão. O tempo tem um começo porque foi criado
por Deus e há um fim também previamente estabelecido por Deus. O homem se
distingue do mundo – do cosmos – e a compreensão da alma humana se
exprime pelo monólogo e não pelo diálogo, daí as suas Confissões
auto-biográficas com a introdução lapidar do livre-arbítrio. A história
começa com a queda de Adão, ou seja, com a reivindicação de sua independência
em relação à Deus; depois o tempo de Caim, assassino de seu irmão e fundador
dos impérios terrestres, caracterizando o combate entre a Civitas terrestre e a Civitas Dei, combate que se realiza na história
particular dos indivíduos.
O próximo passo então será a secularização dessa concepção teleológica
da história. Assiste-se com a concepção trinitária de Joaquim de
Fiori(1131-1202), a uma primeira, nova e revolucionária visão escatológica,
que representa o núcleo fundamental do seu pensamento. Opondo-se ao pessimismo
de Santo Agostinho, que vê o homem corrompido em conseqüência do pecado
original, onde a felicidade não pertence ao corpo, mas à alma e que a paz só
possível depois da morte (com a conseqüente realização da Civitas Dei),
tudo isso no bojo de uma visão cristocêntrica que analisa a história como uma
parábola que termina inevitavelmente com a segunda vindo do Cristo e com o
Final dos Tempos, Joaquim de Fiori prediz o contrário. Divide a história em épocas,
dissociando-a em três períodos que correspondem ao Pai, ao Filho e ao Espírito
Santo. A etapa do Pai vai da criação do mundo até a vinda de Cristo, quando
se inicia a segunda que é a do Filho. Esta durou até 1260 quando se inicia a
terceira e última etapa: a do Espírito Santo, que durará até o retorno de
Cristo. Esta terceira idade será de paz, de concórdia, de liberdade e de justiça
sobre a terra (Civitas Terrena), tornando-se o centro desse seu sistema
trinitário. Com Joaquim de Fiori assiste-se ao começo da secularização da
concepção medieval da história.
A Renascença ira radicalizar esse processo de secularização de uma
maneira cada vez mais profana, pois é o homem e não Deus a causa do
desenvolvimento do processo histórico.
Em 1681 aparece o famoso Discours sur l´histoire universelle de
Bossuet reafirmando a tradição da historiografia teleológica contra os
livre-pensadores de então. Para o cristão, a desordem aparente da história é
uma ordem na qual todos os acontecimentos são dirigidos pela providência
divina, para conduzir a historia ao seu fim. O inovador em Bossuet é que as ações
dos homens servem ao plano divino, mesmo com o desconhecimento desse plano.
Outro golpe importante é a concepção de católico Vico na sua Scienza
nuova (1730) que sem negar a providência divina diz também que o
desenvolvimento histórico tem também uma componente natural. Elimina a idéia
escatológica de um fim e de uma consumação da história com a sua concepção
cíclica do corso e ricorso.
O processo passo nesse desmonte histórico da tradição cristã é século
XVIII, dito das Luzes, que se caracteriza essencialmente pela secularização de
toda a vida e de toda o pensamento humano. A idéia da teleologia subsiste e com
ela a questão da significação da história, mas de agora em diante o curso da
mesma irá de progresso em progresso. Após a era obscura da Idade Média
aparece o pensamento esclarecido, ou seja, a religião superstição está sendo
substituída pela ciência. A esse respeito, a idéia de progresso pressupõe um
estado utópico de perfeição. Mais uma vez, a idéia de perfeição escatológica
é conservada sob uma forma secularizada.
Kant seculariza os ensinamentos da fé cristã, pois esse processo tem
como fim de realizar o homem, ser racional e moral, e não somente o indivíduo
mas toda a humanidade. Interpreta toda a história do cristianismo como uma
marcha gradual, onde religião da razão toma o lugar, gradualmente, da religião
da revelação. No fundo, a concepção que Kant tem da história é de uma
secularização moralista da teologia e da escatologia cristãs.
O radicalismo histórico é atingido por Hegel visto que o processo histórico
é lógico e necessário, pois é a realização do próprio Absoluto. Projeta
ainda a história da salvação sobre o plano da história do mundo, visto que a
filosofia deve exprimir em pensamento puro aquilo que a religião exprime sob
forma de imagens. Hegel guarda a idéia cristã da unidade da história do
mundo, mas abandona a noção de providência, um tanto inadequada ao pensamento
filosófico. É preciso compreender o plano divino, que dá à história sua
unidade, como história do Espírito Absoluto (Geist), que se realiza
segundo a lei da dialética, opondo a tese à antítese, lutando para se unir na
síntese.
Com Marx, o paroxismo histórico atinge o seu auge: transforma a dialética
hegeliana da história em materialismo dialético, persuadido de levar a
filosofia de Hegel à perfeição. De fato, retoma a idéia hegeliana do
processo histórico, visto que a história é um movimento dialético que se
desenvolve através de uma necessidade lógica entre dois pólos, a tese e a antítese.
Contudo, para ele, a força motriz não é o Espírito, mas a Matéria, ou seja,
os poderes imanentes da economia. Na luta dialética entre a burguesia e o
proletariado, somente esse através de sua ditadura, fará a humanidade sair da
época da necessidade, na qual ela se encontra, para a conduzir ao reino da
liberdade, ao reino de Deus sem Deus. Assim, o Manifesto Comunista de 1848 é um
documento messiânico, uma escatologia totalmente secularizada.
O próximo petardo na tradição cristã é a fé no progresso que
provem, não de Hegel e de Marx, mas do Iluminismo. A fé no progresso que, no século
XIX, torna-se uma concepção do mundo universal, e substitui, em larga medida,
a fé cristã, foi uma fé no progresso sem limites, impostos ao pensamento
humano quase automaticamente pelo desenvolvimento da ciência e da tecnologia. O
embate e a oposição entre a fé no progresso e a fé cristã é emblemático
na posição de Voltaire que, desejando esboçar uma filosofia
da história liberada de toda teleologia cristã da história, começa
por contestar Bossuet e termina por opor a Leibniz e a toda possibilidade de uma
teodicéia.
Auguste Comte, com sua filosofia positiva, tenta demonstrar a
desnecessidade de toda teoria teológica ou metafísica, pois o que se busca é
a análise dos fatos positivos, buscando transformar a historiografia em
sociologia.
Para não alongar desnecessariamente esse artigo, pode-se afirmar que
toda a reflexão, de Comte em diante, de elaborar a modernidade são variações
em torno desses autores referidos acima.
A imanentização do eschaton, tão importante no pensamento
moderno e pós-moderno, deixa o seu rastro na desmontagem da concepção cristã
do mundo. Desde as ideologias políticas – nazismo, fascismo, comunismo,
liberalismo – até a bio-ética, o new age, o ambientalismo e tutti
quanti, ou seja, aquilo que Eric Voegelin chamou de gnose moderna não
deixam de ser as novas formas dessa imanentização do eschaton.
Será a maçonaria uma das precursoras modernas dessa imanentização do eschaton? |