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MONOGRAFIAS MAÇÔNICAS

pelo Ven.Irmão WILLIAM ALMEIDA DE CARVALHO 33


A VERDADEIRA DATA DA INDEPENDÊNCIA DO BRASIL


 

I - Introdução

 

            O intuito desse artigo não é o de demolir a data do Sete de Setembro, quando se comemora a Independência do Brasil – data magna da nacionalidade, em um país tão pobre de símbolos nacionais. Busca-se, no entanto, repor e reconstituir a imagem de uma realidade histórica que, a nosso ver, sofreu um distorção muito grande, principalmente entre os historiadores maçônicos. Podemos, devemos – e ai de quem assim não o fizer – continuar a enaltecer o fato e nos emocionar com o Grito do Ipiranga.

            Os maçons brasileiros são detentores de informações estratégicas dos acontecimentos da Independência do Brasil, pelo fato de a maçonaria da época estar imbricada com o desenrolar íntimo dos acontecimentos. Em linguagem moderna, pode-se afirmar que a maçonaria era a vanguarda do movimento da Independência do Brasil. Com a inexistência de partidos políticos para articular, coordenar e mobilizar o povo e as elites, a maçonaria agiu, individual e institucionalmente, como um verdadeiro partido político da Independência. Os maçons daquela época juravam, ao ingressar na maçonaria, além dos juramentos de praxe, o de realizar a independência do Brasil.

            Esse artigo visa, pois, reconstituir historiograficamente, o verdadeiro desenrolar dos acontecimentos para que os historiadores maçônicos e os maçons do Grande Oriente do Brasil – guardiães das atas da fundação do Grande Oriente do Brasil – possam bem entender para, conscientemente, reverenciar o que se passou naqueles conturbados dias. Nós estávamos tão perto dos acontecimentos que temos a obrigação e o dever moral de dar à Nação a nossa visão dos acontecimentos.

 

 

II – Sarna para se coçar

 

            Estava preparando uma palestra sobre o “Sete de Setembro e a Maçonaria” para minha loja Eqüidade & Justiça nº 2336 quando fui trocar idéias com meu Ir\e confrade Alberto Ricardo Schmidt Patier, maçonólogo erudito e heraldista emérito, em busca de possível ângulo novo para abordagem do assunto. Disse a Patier estar investigando sobre as cores da Bandeira Nacional adotadas após o 7 de Setembro. Informa-se no ensino fundamental, que o verde representa nossas florestas e o amarelo é o ouro de nossas minas. A verdade, contudo, manda-nos dizer que o verde é a cor da Casa dos Braganças e o amarelo é a cor dos Habsburgos, de que provém a Imperatriz Dona Leopoldina. Pesquisava-se a proveniência do amarelo. Como a cor da Casa de Lorena foi encrustada no Império Austro-Húngaro? O casamento de Francisco Estevão, duque de Lorena e arquiduque da Toscana com a Imperatriz Tereza Cristina, nos primórdios do século XVIII, levou a cor amarela para a Casa de Áustria. Convém ainda salientar que o duque de Lorena foi o primeiro príncipe de sangue real a ser iniciado na maçonaria no continente europeu em 1731 e teve, como iniciante, o nosso Desaguliers quando encontrava em Haia, na Holanda (Carvalho, pg. 24).

Herr Patier sugeriu-me, entretanto, estudar a heráldica da época da Independência já que lá estavam alguns aspectos que os historiadores, maçônicos ou profanos, por não mais dominarem a arte e a ciência da heráldica, não dispensaram a elas a devida atenção.

            Sobre o assunto, indicou-me um arguto artigo da editoria de pesquisa do jornal maçônico Egrégora nº 9 de jun/ago de 1995 intitulado Independência e Bandeiras. Tempos depois, descobri ser o artigo da lavra de Herr Patier que, por excesso de modéstia, não quis assiná-lo.

            Armado dessa munição heráldica, pude, agora reconstituir alguns fatos que, iluminados por esse velho/novo holofote, conseguem dar sentido aos acontecimentos da época. Presume-se, serem eles inusitados e originais não só para os historiadores maçônicos como também para os profanos.

 

 

III – O Cerne da Questão

 

            Dizem os mais místicos que Deus (ou o diabo) posta-se onde se cruzam as informações. Os grandes avanços militares da II Guerra Mundial se deram quando se ligou infantaria + aviação. Da aviação embarcada, resultou o avanço do pára-quedismo; da infantaria + marinha desenvolveu-se a tropa anfíbia e assim sucessivamente. A secretária de um Presidente interliga muito mais informação do que um Ministro ou o Diretor de uma firma e, portanto, por deter mais dados, possa talvez, se souber usá-los, obter poder imensurável.

            A verdadeira pergunta, pois, há de ser a seguinte: a independência do Brasil se deu realmente no dia 7 de Setembro ou no dia 12 de Outubro, data da “Aclamação de D. Pedro”?

            Liga-se, doravante, a questão acima a outra de cunho mais heráldico: durante o Brasil Império (1º e 2º) houve uma ou duas Bandeiras e Armas Nacionais?

            Pensa-se que ao responder à segunda pergunta, ilumina-se magistralmente, como nunca, a primeira questão.

            Desde a vinda da Família Real portuguesa em 1808, o Brasil começou seu processo de independência do Reino de Portugal. A data da abertura dos portos do Brasil ao comércio direto com as nações amigas, em 28 de janeiro de 1808, em Carta-Régia assinada pelo Príncipe-Regente D. João, pode ser vista como o marco inicial nesse processo de independência.

O segundo marco, importantíssimo, no processo, foi a elevação do Brasil a Reino Unido a Portugal e Algarves, com direito à bandeira e ao escudo, eliminando-se, pelo menos formalmente, o status colonial, devido à carta de lei de 13 de maio de 1816, assinada, já agora pelo rei D. João VI, e que, segundo um comentário de Varnhagen, (História Geral do Brasil, vol.V, pg. 140) depreende-se o seguinte:

 

                     Dando-lhe por armas a esfera armilar manuelina, com as quinas, armas que já encontramos no século anterior, v.g. em moedas da África portuguesa de 1770 (1/4 de  macuta). Por carta de lei de 13 de Maio de  1816:  I    Que  o Reino do Brasil tenha por Armas huma Esféra  Armillar de Ouro em campo azul. – II - Que o escudo Real Portuguez, inscrito na dita Esféra Armillar de Ouro  em  campo  azul, com huma Corôa sobreposta, fique sendo de hoje em diante as Armas do Reino Unido de Portugal, e do Brasil, e Algarves, e das demais partes integrantes da Minha  Monarquia. III – Que estas novas Armas  sejão  por  conseguinte as que uniformemente se hajão de empregar em todos os Estandartes, Bandeiras, Sellos Reaes, e Cunhos de Moedas, assim em tudo mais, em  que  até  agora  se tenha feito uso das Armas precedentes”.

 

            Nem bem se passaram cinco anos da criação da bandeira e do escudo criado por D. João VI e, ainda em 1821, as Cortes Constituintes Portuguesas decretaram que o campo da Bandeira do Reino Unido fosse azul-e-branco, “por serem as cores do escudo de D. Henriques”. E mais, considerado aqui um acinte para os brasileiros, que dela se eliminasse a esfera armilar, como se a Bandeira Constituinte não representasse mais o Reino Unido ou dele fosse excluído o Reino do Brasil. A volta de D. João VI a Portugal em 3 de julho de 1821 precipitou os acontecimentos no Brasil.

            O ‘Fico’ em 9 de janeiro de 1822, um ato de rebeldia de D. Pedro em relação às Cortes opressoras de Lisboa e não a seu pai que era, também, virtual prisioneiro das mesmas, inclui-se no mesmo processo de independência.

 

 

IV – A Heráldica Ilumina a História

 

            Em 7 de setembro, quando D. Pedro regressava de Santos, ao receber às Margens do Riacho do Ipiranga, os Correios da Corte, com as últimas notícias em relação à sua figura e ao Brasil - e com as cartas da princesa Leopoldina e de José Bonifácio -, irado, teria proferido o Grito que separava o Reino do Brasil do de Portugal.

            Ainda no dia 7 de setembro, D. Pedro foi aclamado no Teatro da Ópera de São Paulo, com três “Viva o Primeiro Rei do Brasil”. Retorna ao Rio de Janeiro na noite de 14 de setembro.

            O processo de independência havia galgado mais um degrau, mas ainda não estava completo, pois em todos os decretos, alvarás, provisões e demais diplomas governamentais até o dia 12 de outubro, quando aí sim é proclamado Imperador, inclui-se sempre a seguinte fórmula: “...o Reino do Brasil, de quem sou o Regente e Perpétuo Defensor...” ou ainda “com a rubrica de sua Alteza Real o Príncipe-Regente.

            Em 18 de setembro de 1822 exara-se o decreto que determina a adoção do Brasão de Armas e da Bandeira Nacional do novo Reino. Não se deve esquecer de que as Cortes tinham rebaixado o Reino do Brasil, pelo menos, na Bandeira da Constituinte. O Príncipe-Regente deveria instituir nova Bandeira, mas tudo sob a tutela de seu Augusto Pai. Uma Nação com Dois Reinos. A ruptura total só viria a acontecer em 12 de  outubro. A heráldica esclarece esse processo gradativo de independência de maneira exemplar, como se pode observar pela sua íntegra:

 

Havendo o Reino do Brasil, de quem sou Regente e Perpétuo Defensor, declarado sua Emancipação Política, entrando a occupar na Grande Família das Nações o lugar que justamente lhe compete como Nação Grande, Livre e Independente; sendo por isso indispensável que elle tenha hum Escudo Real D’Armas, que não só o distingão das Armas de Portugal e Algarves até agora reunidas, mas que sejão  características deste rico e vasto continente; e Desejando Eu que se conservem as Armas que a este Reino forão dadas pelo Senhor Rei Dom João VI, Meo Augusto Pay, na Carta de Ley de 13 de Maio de 1816 e ao mesmo tempo Rememorar o primeiro Nome que lhe foi imposto no seu feliz Descobrimento e Honrar as dezenove Províncias comprehendidas entre os Grandes Rios, que são seus limites naturaes e lhe formão sua integridade que Eu Jurei sustentar: Hey por bem, e com o Parecer de Meo Conselho d’Estado, Determinar o seguinte: - Será d’ora em diante o Escudo deste Reino do Brasil, em campo verde huma esphera Armilar de ouro atravessada por uma Cruz da Ordem de Christo, sendo circulada a mesma Esphera de dezenove Estrelas de prata em uma orla azul; e firmada a Coroa Real Diamantina sobre o Escudo, cujos lados serão abraçados por dois ramos das plantas de Caffé e Tabaco, como Emblemas de sua riqueza comercial, representados na sua própria cor e ligados na sua parte inferior pelo Laço da Nação. A Bandeira Nacional será composta de hum paralellogramo verde e nelle inscripto hum quadrilátero rhomboidal côr de ouro, ficando no centro deste Escudo das Armas do Reino do Brasil. – José Bonifácio de Andrada e Silva, do Meo Conselho de Estado e do Conselho de Sua Magestade Fidelíssima o Senhor Rey Dom João Sexto e Meo Augusto Pay, e Meo Ministro e Secretário de Estados de Negócios do Reino e Estrangeiros, o tenham assim entendido e faça executar com os Despachos necessários. – Paço em 18 de setembro de 1822. – (ass.) Príncipe-Regente. – José Bonifácio de Andrada e Silva. (Col. De Leys do Brasil de 1822).

Bandeira do Brasil Reino

 

 

 

            Fica claro por este decreto que o Reino do Brasil não aceita o guante das Cortes Constitucionais de Lisboa, Possui agora uma Coroa Real Diamantina, tornando impossível a volta do Reino ao status de Colônia, o Príncipe-Regente governa em nome do Senhor Rey D. João VI que, dependendo da pressão nacional e popular poderá cortar os laços que o unem ao Seo Augusto Pay. Precisava, pois, cavalgar a pressão da maçonaria radical de Gonçalves Ledo sem esquecer o brocardo de Nabuco: “Não se faz a revolução sem os radicais, mas não se governa com eles”. Como já tinha sido eleito Arconte-Rei no Apostolado de José Bonifácio, trata-se agora de ser Grão-Mestre da Maçonaria do arraial do Ledo. É o que consegue, pois, antes do dia 12 de outubro, a 17ª Ata do Grande Oriente do Brasil diz ter ele tomado posse como Grão-Mestre. Deixa-se de apresentar a data, uma vez que os historiadores maçônicos e profanos não chegaram a um acordo sobre o calendário utilizado “pois todo mundo mexe naquela folhinha”. Qual a verdadeira data: 28 de setembro, 4 ou 7 de outubro? Deixa-se o esclarecimento para o futuro. Importa é que nenhuma ata após o 7 de setembro até a última (19ª) faz menção ao mesmo. Tal fato deixa os historiadores maçônicos atônitos, pois não souberam usar a heráldica para explicar os acontecimentos.

            No dia de seu natalício, D. Pedro foi aclamado Imperador com pompa e circunstância – o 12 de outubro de 1822 – data da verdadeira independência urbe et orbi. Exarou o seguinte decreto, publicado no dia seguinte:

 

Hey por bem Ordenar que, da data deste para o futuro, se use nos ditos Tribunaes e mais Repartições Públicas geralmente do título de Magestade Imperial, quando no expediente dos Negócios se referem à minha Augusta Pessôa; que nas Provisões se principie pela formula seguinte: Dom Pedro, pela Graça de Deos e unanime acclamação dos povos, Imperador Constitucional e Defensor dos povos; Imperador Constitucional e Defensor Perpétuo do Império do Brasil; Faço saber, etc. – E que nos Alvarás se use da seguinte: Eu, o Imperador Constitucional e Defensor Perpétuo do Brasil; Faço saber, etc. Os ditos Tribunaes, Repartições e Autoridades constituídas, a quem pertencer a execução deste Meo Decreto Imperial, o tenhão assim entendido e fação executar. – Paço em 13 de outubro de 1822. (Ass.) O Imperador. José Bonifácio de Andrada e Silva. (Col. De Leys do Brasil de 1822).

 

            Agora sim, o ex-Príncipe-Regente assumira a sua condição de Imperador e cortara, definitivamente os laços que o amarravam a Seo Augusto Pay. Daí em diante, aclamado, apropria-se de todas as funções de estadista autônomo e independente. Não há de se esquecer do clima conturbado que a recém-nação estava vivendo: os mineiros irriquietos; as tropas portuguesas em pé-de-guerra, principalmente as do Brigadeiro Madeira, um ramo maçônico republicano à espreita de melhores dias; diversas províncias não tinham ainda respondido ao apelo imperial. Em suma, as lealdades ainda estavam divididas. Numa das cartas recebidas às margens do Riacho do Ipiranga no 7 de setembro, a princesa Leopoldina alertava: “(...) As notícias de Lisboa são péssimas: 14 batalhões vão embarcar nas três naus; mando-se imprimir suas cartas, e o povo lisbonense tem-se permitido toda a qualidade de expressões indignas contra sua pessoa; na Bahia entraram os 600 homens e duas ou três embarcações de guerra; e nossa traidora Esquadra ficou de boca aberta olhando para elas. Na cidade do Rio têm produzido estas notícias o maior alvoroço. – Os Ministros de Estado lhe escrevem esta carta aqui inclusa e assentou-se não mandar os navios para o Sul, porque o Lecor se desmascarou como Maroto, e era capaz de embarcar a tropa para Santa Catarina; a sua vinda depois decidirá se sempre quer mandá-los” (Varnhagen, pg. 212). Imagine-se o que se passava no coração e na mente de um jovem que acabara de completar 24 anos no dia de sua aclamação.

            Finalizando, para apagar o holofote heráldico, no dia 1 de dezembro, data de sua coroação como Imperador, D. Pedro assinou seu primeiro decreto substituíndo a Coroa Diamantina pela Coroa Imperial e estabelecendo a Bandeira que durou até a Proclamação da República:

 

Havendo sido proclamado com a maior espontaneidade dos povos a Independência política do Brasil, e a sua elevação à cathegoria de Império pela minha solemne Acclamação, Sagração e Coroação, como seu Imperador Constitucional e Defensor Perpétuo: Hei por bem Ordenar que a Corôa Real que se acha sobreposta no Escudo d’Armas, estabelecido pelo Meo Decreto de 18 de Setembro do corrente anno, seja substituída pela Corôa Imperial, que lhe compete, a fim de corresponder ao gráo sublime e glorioso em que se acha constituído este rico e vasto continente. – Paço, 1º de Dezembro de 1822, 1º da Independência e do Império. Ass.) – O Imperador. – José Bonifácio de Andrada e Silva. (Col. De Leys do Brasil de 1822).

 

Bandeira do Brasil Império

 

            As duas bandeiras podem ser comparadas: i) a Bandeira do Brasil Reino e ii) a Bandeira do Brasil Império. A primeira durou 73 dias, do 18 de setembro até primeiro de dezembro e a segunda de primeiro de dezembro de 1822 até o 15 de novembro de 1889, data da Proclamação da República, ou seja 67 anos.

 

Cerimônia da Aclamação do Príncipe D. Pedro I – Debret

 

 

            Descrição do evento por Varnhagen: “Às dez horas saía do palácio de S. Cristóvão o Imperador, com a Imperatriz e a princesa D. Maria da Glória, acompanhado pela sua luzida Guarda de Honra. Pelo caminho, e ainda mais na sua chegada ao campo, prorrompiam os vivas por toda parte. Dirigiu-se depois o Imperador, acompanhado de seu ministros e camaristas, à varanda do palacete, no qual estariam umas três mil pessoas. Ouviu o largo discurso do presidente da municipalidade, que por vezes foi interrompido de vivas pelo povo; respondeu aceitar o título, convencido de que tal era a vontade geral dos povos do Brasil. Desfilaram depois as tropas; seguiu o Imperador, a pé, apesar da chuva, até à Capela Imperial, onde assistiu ao Te Deum, e logo passou ao palácio a dar beija-mão, e à noite compareceu ao teatro”(Varnhagen, pg.228).

            O jornal da época O Espelho, assim descreve o fato: “...pelas dez horas da manhã saiu Sua Majestade Imperial, acompanhado de Sua Esposa e da Sereníssima Princesa D. Maria da Glória, do Paço Imperial da Boa Vista, com o trem seguinte: Precedia a Guarda de Honra de Sua Majestade, composta de paulistas e fluminenses e por batedores dois exploradores  e oito soldados da mesma Guarda. Seguiam-se três moços da estribeira, sendo um índio, outro mulato e o terceiro negro. Ia depois o coche que conduzia Suas Majestades o Imperador e a Imperatriz e a Sereníssima Princesa, sendo puxado a oito cavalos, tendo ao lado quatro moços da estribeira. Acompanhava a Guarda de Honra, comandada pelo seu chefe, o Coronel Antônio Leite Pereira da Gama Lobo. Seguia o coche de Estado e após este outro, com os dois camaristas a serviço de Suas Majestades. Apenas entraram na mencionada praça, começaram os mais altos e freqüentes vivas...” (apud Varnhagen, pg. 228).

            O Barão do Rio Branco também dá a sua contribuição sobre o evento: “Esta foi a resposta do Imperador: “Aceito o título de Imperador Constitucional e Defensor Perpétuo do Brasil, porque, tendo ouvido o meu Conselho de Estado e de Procuradores-Gerais, e examinando as representações das câmaras, das diferentes províncias, estou intimamente convencido de que tal é a vontade geral de todas as outras, que, só por falta de tempo, não têm ainda chegado”. Esta resposta impressa na Tipografia Nacional, foi na mesma ocasião lançada da varanda, e espalhada pelo povo. A artilharia deu então uma salva de cento e um tiros, e a infantaria três descargas... Depois do Te Deum, as tropas se formaram, em parada, no Largo do Paço, dando a infantaria outras três descargas e a artilharia uma segunda salva de cento e um tiros” (R.B. apud Varnhagen, pg. 229).

            Esclarecidos esses pontos, passa-se a apontar as perplexidades dos historiadores maçônicos no tocante aos fatos apontados acima. Os profanos ficam para uma segunda oportunidade.

 

 

V – A Perplexidade dos Historiadores Maçônicos

 

            Vários escritores e historiadores maçônicos, por não entenderem o relatado acima sobre a diferença entre o Brasil Reino e o Brasil Império, cometem as maiores barbaridades nas suas interpretações.

            Começa-se pelo mais furibundo historiador maçônico – A. Tenório d’Albuquerque. Apesar de já ter dado um grau 33 a Tiradentes antes da formação do Rito Escocês Antigo e Aceito, no seu opúsculo José Bonifácio – o Falso Patriarca, deita a seguinte verrina:

            “(...) Um fato há, de excepcional gravidade, praticado por José Bonifácio, como Ministro, a que ainda não vimos a menor referência por parte dos nossos historiadores, aprendizes ou Mestres.

            José Bonifácio escamoteou a nossa Independência. Ele a ocultou indevidamente aos países estrangeiros, talvez ainda com a ilusão – que ilusão! – de ver realizado o seu ideal de Reino Unido Portugal-Brasil” (Alburquerque, pg. 83).

            “(...) Em 4 de outubro de 1822, José Bonifácio ainda escrevia para o estrangeiro sem tratar D. Pedro I de Imperador!!!

            Tal fato ocorreu já um mês e meio depois da proclamação da Independência no Grande Oriente do Brasil e quase um mês depois do 7 de setembro!

            Insistimos em dizer: José Bonifácio era contrário à Independência do Brasil” (Albuquerque, pg. 87).

            No caso de Albuquerque não é bem perplexidade e sim incompetência historiográfica, pois seu fundamentalismo anti-José Bonifácio o leva a extrapolar o quadro da ciência histórica e ingressar na polêmica jornalística.

            Já os irmãos Ferreira – Manoel Rodrigues e Tito Lívio – introdutores dos malfadados conceitos de maçonaria azul e maçonaria vermelha, apesar de não serem apreciadores do Patriarca, pelo menos ficam perplexos com a incompreensão dos fatos vividos naquela época.

            A perplexidade começa com o Edital do Senado da Câmara do Rio do dia 21 de setembro de 1822, calcado no mesmo ofício que o mesmo Senado enviou ao de São Paulo no dia 17 de setembro. Tanto um como outro “também nada fala[m] sobre o ato do dia 7 de setembro em São Paulo, ignorando-o. Simplesmente diz que o Brasil estava dirigindo a grande obra da Independência. Nada mais” (Ferreira, pg. 239).

            Até D. Pedro recebe um puxão de orelhas dos irmãos Ferreira, fato inusitado, pelo menos na historiografia moderna:

            “No dia 22 de setembro de 1822, D. Pedro escreve a D. João VI:

            ‘Meu Pai e Senhor

            Tive a honra de receber de Vossa Magestade uma carta datada de 3 de agosto, na qual Vossa Magestade me repreende pelo meu modo de escrever e falar da facção luso-espanhola (se Vossa Magestade me permite, eu e meus irmãos brasileiros lamentamos muito e muito o estado de coação em que Vossa Magestade jáz sepultado); eu não tenho outro modo de escrever, e como o verso era para ser medido pelos infames deputados europeus e brasileiros do partido dessas despóticas Cortes executivas, legislativas e judiciárias, cumpria ser assim; e como eu agora, mais bem informado, sei que Vossa Magestade está positivamente preso...’

            E continuava D. Pedro:

            “Embora se decrete a minha deserção, embora se cometam todos os atentados que em Clubes Carbonários forem forjados, a Causa Santa não retrogradará, e eu antes de morrer direi aos meus caros brasileiros: Vede o fim de quem se expôs pela Pátria, imitai-me”.

            E mais adiante continuava D. Pedro a chamar as Cortes de Lisboa de “facciosas, horrorosas, maquiavélicas, desorganizadoras, hediondas e pestíferas...”

            E terminava:

            “Peço a Vossa Magestade que mande apresentar esta às Cortes! às Cortes, que nunca foram gerais, e que são hoje em dia só de Lisboa, para que tenham com que se divirtam, e gastem ainda um par de moedas a esse tísico tesouro”.

            Dom Pedro se esquecia de que, tendo proclamado a Independência do Brasil, era chefe de uma Nação soberana e que, portanto, não podia mais enviar uma carta naqueles termos ao chefe de outra Nação, inclusive ao parlamento dessa outra Nação. Esqueceu-se D. Pedro de enviar um documento diplomático a D. João VI, comunicando a separação de ambos os Reinos” (idem, pg.241). 

            O Senado da Câmara de São Paulo também não escapa à crítica dos irmãos Ferreira: “(...) Esta exigência sim, estava no ofício do dia 17 de setembro, dirigido pelo Senado da Câmara do Rio ao de São Paulo.

            Ressaltemos pois, a ingenuidade daquele Senado da Câmara de São Paulo, ainda expressando as tradições monarquistas de São Paulo, ao lamentar o estado de prisão em que se achava D. João VI em Lisboa (...)” (idem, pg. 249).

            As suas perplexidades também se voltam em direção à maçonaria: “(...) Na ata (do GOB) desse dia 7 de outubro, nada há também sobre o Grito do Ipiranga. Não foi feita menor referência à proclamação da Independência, feita por D. Pedro em São Paulo, exatamente um mês antes. Mais uma vez, evidencia-se que a Maçonaria ‘Vermelha’ ignorou o brado de ‘Independência ou Morte’, nome de uma ‘palestra’ do Apostolado ‘Azul’. (...) Na peça oratória, o Brigadeiro Alves Branco também não faz alusão ao Grito do Ipiranga” (idem, pg. 254).

 

 

VI - Conclusão

 

            O Sete de Setembro somente começou a ser feriado nacional oficial a partir do Decreto nº 1285 de 30 de novembro de 1853 quando se inicia o processo de montagem do imaginário coletivo sobre a independência num país tão pobre de ícones cívicos, tanto monárquicos quanto republicanos.

            Espera-se que essa contribuição da heráldica para a história possa esclarecer alguns pontos que causaram e ainda causam confusão, até os dias de hoje.

            Os maçons do GOB possuem um acervo inestimável de documentos históricos que exigem a sua exegese para esclarecer vários pontos, ainda obscuros, sobre a nossa independência. Está surgindo uma nova geração de maçons historiadores que poderão receber a tocha sagrada de Nicholas Aslan, Kurt Prober, José Castellani e tantos outros que engrandecem as pesquisas históricas maçônicas no Brasil contemporâneo.

            O momento é o de desmistificar alguns traços impingidos como história na mente dos maçons, procurando extrair os fatos das lendas apresentadas como verdades históricas. Este artigo insere-se nesse movimento e espera-se que tenha auxiliado a esclarecer um pedaço da controversa história da Independência do Brasil. Que outros venham a aprofundar, mais e mais, o nosso profundo acervo cultural.

            Basta de tomar partido entre José Bonifácio e José Gonçalves Ledo como se estivessem numa rinha de galos. Ambos deram a sua contribuição ao Brasil e à Maçonaria. Não eram anjos nem demônios, eram simplesmente homens lutando por aquilo em que acreditavam piamente.

            Basta de tribunais da Santa Inquisição, seja na história do Brasil ou universal, buscando julgar, muitas vezes sem muita base, como se viu acima, lançando anátemas contra pessoas ou instituições. Trata-se de ajudar os maçons não-historiadores a compreender e encaixar os nossos Pais Fundadores no seu momento histórico.

            A sorte está lançada, que venha a nova geração que possa destravar o Brasil.

 

 

 

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